sábado, 1 de maio de 2010
o processo de um disco por dinho ouro preto
Toda vez que eu acabo de gravar um disco, tenho a impressão de que não vou conseguir fazer outro. Mesmo tendo gravado um monte deles, eu sempre tenho a sensação que não vou ter inspiração pra fazer o seguinte. Tem uma expressão em inglês, “writers block”, que traduzida livremente quer dizer, “bloqueio de escritores”. Como o nome diz, ele se refere à literatura, mas acho que se aplica a qualquer artista, e as dificuldades que fazem parte da criação de uma obra. Pode ser um artista plástico, olhando por horas a fio para uma tela branca, sem a menor ideia do que fazer. Ou uma coreógrafa achando que toda ideia que ela tem já foi usada, por ela mesma ou pior – por outros.
Mas, de qualquer modo, não sei bem de onde, me vêm ideias, tanto de letras quanto de músicas. Confesso que sinto uma mistura de surpresa e alívio. E eis que, sei lá como, acabamos conseguindo gravar mais um disco. Ainda falta fazer a capa, o vídeo e até escolher a música que irá para as rádios, mas a parte musical acabou. Eu sei que eu já o tinha dado por acabado antes, mas ontem chegou às minhas mãos a versão masterizada, a última etapa da gravação.
Quando se acaba um disco, vc está envolvido com aquelas canções há meses, e nesse caso, eu tô enroscado com elas há mais de um ano. Depois de tanta composição, ensaio e gravação, quando finalmente chegamos ao fim, mesmo adorando o resultado, eu fico um pouco de saco cheio. É só estafa. Eu passo muito tempo sem pensar em outra coisa. Acordes, tempos, batidas, solos, versos, estrofes, palavras, rimas, melodias e arranjos… enfim, é o suficiente pra tirar o meu sono, e o das pessoas próximas a mim.
Nesses últimos meses, me aconteceu de estar jantando com amigos e, de repente, um silêncio ensurdecedor na mesa. Todos se viram pra mim e perguntam, vc tá passando mal? Eu não, por quê? Sei lá, vc tá olhando pro nada e falando sozinho… E é assim, no meio de uma conversa alguém diz alguma coisa que te faz pensar numa possível letra, e sua imaginação vai embora, esteja onde vc estiver, sozinho ou em público. É frequentemente constrangedor, mas as pessoas que te conhecem melhor acabam se acostumando, e até explicam suas excentricidades aos outros. Nossa, o Dinho tá passando mal? Não, ele tá fazendo uma letra. Mas, assim, sem papel nem nada? É, não repara, eu juro que ele não precisa de um médico.
Resumindo, fazer um disco é cansativo pra vc e todas as pessoas a sua volta também.
Mas, como eu ia dizendo, depois de um tempo sem ouvir as canções chegou à minha casa a versão masterizada. Então, vamos lá, vamos ouvir. Na verdade não só pra ver se a qualidade do som ficou boa, mas também pra ver se vc continua a gostar das músicas. Imagina se vc fica esse tempo todo completamente obcecado com seu disco e quando finalmente ele fica pronto, vc senta pra ouvir, e pensa: “nossa como eu posso ter achado isso bom? Parem a fábrica!! Recolham todo, mudei de ideia, não é nada disso!” Já pensou? Eu já. Mas, desta vez eu continuo achando bacana. Tanto as músicas, quanto o som e as letras.
Não contamos detalhes do disco pra ninguém, conseguimos manter segredo. Mas como vcs sabem, um segredo é algo que vc conta aos outros pedindo que eles não contem pra ninguém. E por sua vez eles fazem o mesmo, e assim por diante. Os informações do disco eram pra ser um segredo, mas…. hmmmm, eu não resisto e vou contar alguns. O disco vai se chamar Das Kapital. Vai ter onze músicas, todas curtas, diretas ao ponto. Minha música favorita é Ressurreição. E meu sobrinho acha que é o melhor disco que nós já fizemos.
As canções são diferentes entre elas. Mesmo gostando de bandas cujos discos parecem ser uma só canção do começo ao fim, nosso disco tem coisas absolutamente opostas. Uma música é meio Ramones (Melhor), outra parece uma balada do Aerosmith (Quero Ser Como Vc), outra (Marte em Capricornio) é uma pérola do Robledo, pesada e rápida, com uma letra sobre escapismo, sobre a vontade de simplesmente deixar tudo pra trás… entrar num carro, acelerar e sumir, (Não sei Porque) é uma levada no violão sobre como relacionamentos podem cair do céu quando vc menos espera, ou pior, quando vc não quer, e por aí vai… Acho que é a nossa cara, muito eclético. Com tantos rótulos rolando por aí, tipo Hardcore, Hard Rock, Indie, Emo, Pop, Metal, quando me perguntam o que fazemos respondo que é Rock. Mas como assim, que tipo de rock? Só rock, repondo eu. Nós somos das poucas bandas (eu acho) que gostam de tudo, de todos os estilos mencionados aí em cima. Não foi sempre assim. Quando eu era moleque, eu só ouvia Hard Rock; quando eu era adolescente, só ouvia Punk; quando comecei a tocar, só ouvia rock independente. Mas hoje gosto tanto de White Stripes e Muse quanto Aerosmith e Queen, passando por System of a Down, Fudge Tunnel, Soundgarden e Oasis.
Além disso, gosto de algumas outras coisas que eu tenho vergonha de contar, tipo Elton John. Elton John? Eu sabia, sua bicha. Não, não, eu tô falando do começo da carreira dele. Pinball Wizard, Saturday Night’s All Right for Fighting, Your Song, e Bennie and the Jets e Rocket Man. Pequena pausa, só pra constar, aqui eu preciso dizer que não sou homofóbico e apoio todos os direitos dos que se sentem excluídos ou vítimas de preconceito. Aliás, sou a favor da mudança de muitas leis que dizem relação a costumes e saúde pública, mas esse é outro assunto…
Bom depois desse confessional posso voltar ao nosso disco. Como eu ia dizendo, tem de tudo: baladas, batidas meio disco, coisas difíceis de classificar e principalmente rock, mas existe unidade e personalidade. As letras também são assim, tem uma sobre ter que voltar e recomeçar a vida, uma sobre uma menina largada à própria sorte na rua, uma sobre submissão, a outra sobre amor a suas consequencias. Gosto de escrever sobre tudo, de não ser monotemático. Isso vale pra letras e músicas. Mas então como manter a personalidade com algo tão variado? Acho que a pegada é que mantém a característica da banda. O Queen também era assim, aliás quando eu paro para pensar, várias outras bandas – até Guns, por exemplo. Não que soemos como eles, mas eles não eram repetitivos. Tá bom, eu sei, vc pode ser repetitivo e ser legal, AC/DC e Ramones por exemplo. Eu também amo essas bandas, mas na hora de compor eu acabo variando, fazer o quê?
Das Kapital é um disco diferente dos nossos últimos discos. Talvez tenha sido a pancada na minha cabeça, talvez tenham sido os dez anos ininterruptos na estrada, ou talvez a variedade seja simplesmente parte do nosso estilo, mas o fato é que nós queríamos algumas mudanças. Alguns vão dizer que parece idêntico aos outros (os cães ladram e a caravana passa) mas nós não temos a menor intenção de agradar a todos. Queremos nos divertir, fazer música e viajar pelo país fazendo shows.
Sempre vem gente às apresentações, aos hotéis ou aos camarins e nos contam como de algum modo fizemos ou fazemos parte de suas vidas. Como alguma música parece ter sido escrita para elas. Dizem que é como se tivéssemos verbalizado algo que eles sentiam e não conseguiam dizer. Quando ouço algo assim, eu fico pasmo com o poder da música, mas entendo perfeitamente, eu me sinto assim com várias bandas. Jamais pensei que um dia eu poderia me ver nessa situação; ser o objeto da gratidão de alguém, mas é uma das melhores sensações do mundo, a de se fazer entender. É o que eu tento fazer, compor e gravar canções de que gosto e depois lançar e torcer pra que mais alguém goste. Dando certo ou não, é bacana, mas quando bate na veia, minha vida parece fazer mais sentido.
O Capital tem muitos fãs e eu sei que temos sorte de tê-los ao nosso lado. E agora eu me dirijo diretamente a vcs: ouçam rock, apoiem as bandas de suas cidades, duvidem de tudo e divirtam-se. Nos já estamos ensaiando o novo show que vai ser visualmente novo, literalmente algo inédito para uma banda brasileira. Gosto tanto de bolar músicas quanto de pensar no lado visual das apresentações, e dessa vez vai ser de tirar o fôlego.
Aguardem: a canção sai em abril, o disco em maio e a turnê em junho. Nos veremos na sua cidade, seja lá onde for.
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